quarta-feira, 27 de outubro de 2010

chuva

Eu quis ir embora. Poder andar com passos firmes, seguros, sem a hesitação de olhar pra trás dejesando que você tivesse me seguindo, que parasse meu andar, que me fizesse mudar de ideia. Eu quis olhar teus olhos, mas minhas lágrimas embaçavam os meus - já totalmente desfeita, não podia deixar que você me visse naquele estado. Eu quis conseguir falar. Conseguir cuspir na tua cara tudo aquilo que eu sinto, o que me incomoda, ter a coragem de verbalizar aquilo que só meus dedos - envoltos à lápis - permitem expressar ao papel manchado às lágrimas que ainda caíam. Eu quis muito traduzir teus sentimentos. Mas eu quis - mais que tudo - não gostar de você assim. Eu quis arrancar isso de dentro de mim; eu quis desesperadamente ser indiferente ao teu sorriso, à tua presença. Te dar adeus sem culpa alguma, não esperar tua chamada na madrugada, não arrumar a casa pra receber tua visita. Eu quis não gostar. Eu só quis me salvar disso que eu chamo de amor.

domingo, 24 de outubro de 2010

sem açúcar

Empurrou a pesada porta da pequena cafeteria e teve certeza de que não saíria dali do mesmo jeito que entrou. Dirigia havia horas e a próxima cidade não estava tão próxima assim. Decidiu por parar, comer, se embreagar talvez e ficar ali até criar coragem pra voltar à sua estrada. Lembrou-se, então, do que ele lhe falara uma vez: "É, eu trabalho lá"; teve vontade de ligar, dizer "ei, eu estou aqui embaixo, vem me abraçar" mas - como sempre - lhe faltou coragem. Finalmente escolheu o que queria e esperou, debruçada no balcão, alguém lhe atender. Alguns minutos depois, surgiu um rapaz atordoado, cabeça baixa, apressado e confuso mas que percebeu a presença dela ali.

- Um café, por favor.

Ele parou. Se aquele lugar não estivesse tão cheio, todos poderiam ouvir as batidas do coração do rapaz acelerarem a medida em que ele erguia os olhos; queria ter certeza de que essa voz era dela. Cuidadosamente, como quem escolhe os lugares pra pisar entre as poças d'águas depois de um dia muito chuvoso, ele a olhou. Era ela. Ela estava ali, do outro lado do balcão. Então, as lembranças foram aos poucos invadindo a sua mente; ele só queria poder estar sozinho com ela ali, queria que fosse tarde, queria poder expulsar todos os clientes e apenas atender os pedidos da moça. Ele quis pular o balcão, se atirar aos braços dela, beijá-la como nunca teve coragem de fazer, levá-la pra longe dali e viver assim pra sempre. O rapaz esboçou um sorriso, que foi respondido por ela. Olhou-a novamente; não podia acreditar que era ela ali! Não proferiu uma palavra; ela também só conseguira dizer "oi". Eles dois não precisavam falar nada porque se entendiam sempre pelos olhos.
Precisou apenas de poucos segundos pra sentir tudo isso e de alguns mais pra voltar à realidade. Lembrou-se do que ela pedira: "um café"; e ele sabia como a servir. Entrou na cozinha e voltou, minutos depois, com uma xícara pequena e branca, metade preenchida com café preto sem açúcar e a outra, chantily até o topo. Ainda quis colocar uma cereja; precisava que ela entendesse que ele não havia esquecido nada, muito menos da cor dos cabelos dela. Entregou a xícara a moça e sorriu de novo. "Preto, sem açúcar, chantily até o topo; como você gosta.". Ela sorriu, agradecida, e dediciu que já era hora de ir; mudanças demais pra apenas uns segundos. Tomou todo café ali, repousou a xícara sobre o balcão, limpou a boca com os últimos guardanapos.

- Obrigada.

Ele ainda escolheu observar cada passo que ela dava em direção ao próprio destino. Melhor assim. Eles se entediam sempre com o olhar e ele sabia: ela não estava indo embora.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

sunday morning

Há dias em que a gente acorda pensando em parar. O plano era exatamente não ter plano algum. Todas aquelas cores convidavam à loucura, todas tão fortes e quentes; eu estava ali pronta pra escapar prum lugar qualquer. Eis que decide mudar o meu dia: eu desesperada pra fugir; você, pronto pra me acalmar. Eu aceitei uma proposta inocente e lá fomos nós, fazer do domingo de manhã um momento mais libertador. Você estava ali, ao meu lado, satisfazendo as minhas vontades notórias, ouvindo meus desabafos e me dando conselhos cujo eco ainda escuto. Enquanto o mar fazia teu movimento, nós dois refletíamos tanto quanto toda aquela luz. Eu ri, eu vivi, eu fui feliz ali. Você - uma pessoa tão do bem - me fez bem também. É doce poder contar com você cada vez mais, meu amigo. É bom saber que posso lhe confiar alguns segredos puq você vai entender qualquer coisa que eu possa dizer. Ainda que eu tenha total liberdade pra brincar contigo do jeito que eu quero; tudo que lhe escrevo agora é muito sério. Quero mesmo é agradecer por você realizar meus desejos, por me ouvir, por não ter me deixado sozinha. Acredite quando digo que estarei aqui quando você precisar. Mais uma vez: obrigada. Seja lá o que for pra ser, eu serei. Nós seremos.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

convite

Quis entender as entrelinhas do teu convite. Em outras circunstâncias, eu teria o aceitado. Mas tuas escolhas transformaram você nessa pessoa indecisa que me propõe convites fora de época. Eu aceitaria, no passado

domingo, 3 de outubro de 2010

o circo

um certo dia a cidade amanheceu empacotada
cartazes por todo lado; o circo está armado
inúmeros bichos numerados
comprem suas entradas que o show vai começar!

respeitável público, o sorriso na boca do palhaço
onde o tempo que passa é atraso
a miséria enche o prato
escambo barato
o povo descalço com votos sapatos
e de quatro em quatro anos o mesmo espetáculo

aperta a mão que eu te dou um doce
aperta a mão que eu te dou um doce
são poses promessas e beijos na testa

cadeiras compradas, ingressos na mão
o sorriso na boca do palhaço é o sorriso na boca do leão
não bota a mão não; que morde!
e o povo de olhos vendados no globo da morte

código de barra e cara lavada
pintada com faces multicoloridas
o rufado da caixa anuncia a nova acrobacia
e revela o momento que a corda rompia
mas tudo é combinado
faz parte do espetáculo
truque ilusionista
abracadabra e você no meio do picadeiro
servindo de isca

aperta a mão que eu te dou um doce
aperta a mão que eu te dou um doce
são poses promessas e beijos na testa