domingo, 24 de outubro de 2010

sem açúcar

Empurrou a pesada porta da pequena cafeteria e teve certeza de que não saíria dali do mesmo jeito que entrou. Dirigia havia horas e a próxima cidade não estava tão próxima assim. Decidiu por parar, comer, se embreagar talvez e ficar ali até criar coragem pra voltar à sua estrada. Lembrou-se, então, do que ele lhe falara uma vez: "É, eu trabalho lá"; teve vontade de ligar, dizer "ei, eu estou aqui embaixo, vem me abraçar" mas - como sempre - lhe faltou coragem. Finalmente escolheu o que queria e esperou, debruçada no balcão, alguém lhe atender. Alguns minutos depois, surgiu um rapaz atordoado, cabeça baixa, apressado e confuso mas que percebeu a presença dela ali.

- Um café, por favor.

Ele parou. Se aquele lugar não estivesse tão cheio, todos poderiam ouvir as batidas do coração do rapaz acelerarem a medida em que ele erguia os olhos; queria ter certeza de que essa voz era dela. Cuidadosamente, como quem escolhe os lugares pra pisar entre as poças d'águas depois de um dia muito chuvoso, ele a olhou. Era ela. Ela estava ali, do outro lado do balcão. Então, as lembranças foram aos poucos invadindo a sua mente; ele só queria poder estar sozinho com ela ali, queria que fosse tarde, queria poder expulsar todos os clientes e apenas atender os pedidos da moça. Ele quis pular o balcão, se atirar aos braços dela, beijá-la como nunca teve coragem de fazer, levá-la pra longe dali e viver assim pra sempre. O rapaz esboçou um sorriso, que foi respondido por ela. Olhou-a novamente; não podia acreditar que era ela ali! Não proferiu uma palavra; ela também só conseguira dizer "oi". Eles dois não precisavam falar nada porque se entendiam sempre pelos olhos.
Precisou apenas de poucos segundos pra sentir tudo isso e de alguns mais pra voltar à realidade. Lembrou-se do que ela pedira: "um café"; e ele sabia como a servir. Entrou na cozinha e voltou, minutos depois, com uma xícara pequena e branca, metade preenchida com café preto sem açúcar e a outra, chantily até o topo. Ainda quis colocar uma cereja; precisava que ela entendesse que ele não havia esquecido nada, muito menos da cor dos cabelos dela. Entregou a xícara a moça e sorriu de novo. "Preto, sem açúcar, chantily até o topo; como você gosta.". Ela sorriu, agradecida, e dediciu que já era hora de ir; mudanças demais pra apenas uns segundos. Tomou todo café ali, repousou a xícara sobre o balcão, limpou a boca com os últimos guardanapos.

- Obrigada.

Ele ainda escolheu observar cada passo que ela dava em direção ao próprio destino. Melhor assim. Eles se entediam sempre com o olhar e ele sabia: ela não estava indo embora.

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