sexta-feira, 25 de março de 2011

parr-à-pluie II

O tempo recolheu-se hoje; assim como nós. Eu me pergunto se haverá algum tempo aberto daqui pra frente. Continuo contemplando com uma certa angústia essa noite que se banha nessa chuva que cai fina, lenta, pirracenta e indiferente, exatamente como o nosso tempo hoje. Já sabemos que as nuvens embaçam a visão, mas também deveríamos saber como resgatar aquele Sol fugido há poucos dias. Ainda me recordo do tempo aberto, do dia claro, sem pressa, sem hora, sem limites demarcados. Mas agora existe um rio entre nós; um rio que corre mais rápido e mais cheio d'água a casa vez em que insistimos em permitir que essa chuva caia. O tempo continua fechado e eu me pergunto se, talvez, pela manhã, tudo terá mudado de novo. Eu espero o tempo que for, mas espero que tenhamos tempo. E não esse tempo falso; da pressa, das obrigações, do adiável. Que tenhamos tempo limpo e aberto, que tenhamos tempo - de verdade - para nós.

sexta-feira, 4 de março de 2011

rei II

Ele me olha com aqueles olhos famintos. Como quem quer me provar, vai chegando perto aos poucos, como um predador que não pode afastar sua presa, e me capta entre os braços e me delineia com a ponta dos dedos e me fascina com aqueles olhos. Prende-me num cheiro que não defino, me aquieta e me diz que vai ficar tudo bem. Então tua boca, seca, cheia de sede, vai me bebendo depressa, desesperada, como quem tem medo de desperdiçar uma única gota da tua fonte. Bebe-me satisfeito e eu me pergunto como ele tem esse poder sobre mim. Mexe com meus sentidos. Puxa meu cabelo e inclina meu rosto para, então, dizer palavras doces ao meu ouvido, que se entrega fácil às suas querências. Brinca com meu corpo achando que meu veneno tem antídoto. Eu sinto suas mãos invadindo minhas tímidas curvas, sinto sua vontade de descobrir minhas terras, de fincar sua bandeira em mim. Ainda presa, ele me mastiga lentamente, salivando cada parte da minha pele. Equilibro-me na ponta da sua língua enquanto ele ri da minha tentativa de fugir; mas não há como escapar ilesa aos seus encantos. Ele me devora. E eu deixo. Porque eu já não sei ser eu; eu só sei com ele.