domingo, 8 de dezembro de 2013

Dissabores

Desta vez, eu não seguiria a receita. Satisfaço-me com o que eu mesma decido que é bom. Mais coentro. Menos pimentão. Uma pitada de sal.. Mais uma pitada de sal. Cheiro forte invadindo a cozinha, a sala, o quarto, todos os cômodos da casa. Inundando a rua. Eles tocam o interfone e perguntam: "como fazer?". Eu não sei, só faço. Mais cebola, eu adoro cebolas. Ainda está sem sal - outra pitada. Colocaria assim os temperos a meu gosto e deixaria ferver o quanto quisesse. Corte simétrico de faca amolada, eu sequer me cortei dessa vez. Não doeu nada preparar você. Panela ao fogo baixo, você ferve tão rápido... Mexo devagar para não grudar no fundo. Inútil. Eu te desgrudo lentamente enquanto você borbulha louca na panela. Mais cinco minutos. Mais sal. Mais sal. Mais sal. Eis que apita meu relógio: tu estás pronta. 
Carne macia derretendo em minha boca. E só. Engulo e fito o prato: tempero de menos, sal de menos, sabor de menos. Eu te fiz ao meu modo para te saborear quente e forte, feito café nos primeiros minutos da manhã. Você está morna. Você está sem gosto. Dissabor total. Não suportarei te ingerir até o final. E agora? Jogo o prato fora ou te dou para um daqueles que querem te provar?

domingo, 8 de setembro de 2013

Por quê?, Retratos de um desejo insaciável ou Sobre o (novo) eu

A imagem que me olha de volta através do espelho não diz muito. Não diz nada, na realidade. Aquela que sou eu, do outro lado, só me olha com aqueles olhos que, silenciosamente, gritam "faça!". Eu vou pensar todas aquelas coisas que fiz novamente, aquelas coisas que eu acho que deveria esquecer. Não. Eu gostei. Num dos canais de filmes, eu vejo cenas perturbadoras e penso "é isso, é isso que eu quero para mim". Mas como pode ser? Por quê? Por que esse impulso de querer para si aquilo que é mais autodestrutivo? Aquilo que é mais ruim? Aquilo que é mais nocivo? Por que querer aquilo que vai lhe consumir até não te restar nada para ser?

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Constatação

Tudo aquilo que me fazia vomitar letra atrás de letra foi jogado fora. Minhas novas pautas não se encaixam. Eu não caibo mais aqui.

domingo, 9 de junho de 2013

Norte

Malas prontas, impecáveis. Sentada entre desconhecidos, ela esperava seu horário. 
Tempo traiçoeiro, sabia das suas vontades, e por isso passava depressa.
Ela queria sentar-se ali e fingir que tudo era um sonho, que acordar não seria tão doloroso.
O portão 9 chamava-a. Embarque imediato.
Ela levantou-se lentamente, arrastou-se lentamente entre os outros passageiros que dividiam com ela a fila daquele voo, pegou o pequeno caderno de anotações e a caneta preta que ganhou dele - única bagagem de mão - e finalmente cruzou a porta.


Dentro do avião, olhava inerte as nuvens pela janela embaçada. Escreveu na última folha:
"Eu vou voltar."

terça-feira, 26 de março de 2013

Dó maior

Encontrar você na rua e fingir não te conhecer foi como me dar dois tiros na mão direita, sim, a mão que eu uso para escrever. Foi como tirar de mim uma parte, uma parte essencial, sem a qual eu fico impossibilitada de fazer qualquer coisa. Foi como mentir para nós dois todos aqueles dias bonitos que vivemos um dia. Sim, você sabe: eu nunca menti antes. Também nunca fingi não reconhecer aquele morto que um dia foi meu amor eterno. Mas era você ali, a poucos passos de mim. Passar por você e (conseguir) ignorar tua presença, foi quase como calar o som da minha própria voz. Sim, você sabe: eu nunca me calei antes. Como poderia: tua música e minha voz separadas um dia?
Mas encontrar você na rua foi me sentir liberta. Foi sentir que eu pude te libertar de todos os abrigos que, carinhosamente, construí, apenas pra te guardar. Foi medo. Medo maior, agora, é te ver solto assim, tão você, como sempre foi, e ter certeza de que é a tua liberdade aquilo que mais lhe doi. Saber que você ainda volta pra casa toda noite e, na companhia do violão, escreve as músicas mais tristes que alguém poderia compôr; machuca mais em mim não poder tirar você da prisão que você mesmo criou. Como poderia: um dia, nós fomos uma única música ... Não sei - nem do que nem o que - foram feitos todos aqueles sentimentos e promessas que um dia fizemos. Não sei mais de você, também. Talvez não sabia nem de mim.  Eu só não queria descrever tua solidão ... Mas é só ela quem te acompanha agora.

sábado, 16 de março de 2013

O Ponto ou Entre Parênteses

O que eu perdi. Não sei dizer ao certo onde foi que eu (me) perdi. Existiu algum ponto em que eu deixei passar (muita) coisa e perdi tanto que já nem sei mais por que caminho segui ou quem fui um dia. Os sentimentos velhos (e aqui não se conota o sentido de "antigo"; eles são, de fato, velhos) tornaram-se tão alheios para mim ou fui eu quem diminuiu tanto até fazer com que eles já nem me coubessem mais. As pessoas não são as mesmas. As coisas são não as mesmas. . Por que será? Tudo aquilo em que eu acreditava cegamente foi descontruído sob minhas vistas (aliás, o que passei bradar não mais acreditar, de verdade sumiu de mim); qualquer forma de sentimento hoje me é estranha e eu me sinto mais estranha ainda porque sei que, um dia, fui capaz de sentir tudo isso. Meus argumentos são falhos (e até eu mesma me permito falhar com mais frequência do que antes). A desistência também é frequente. Nada mais importa. Eu me sinto bem (mas não me sinto feliz).

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Sem saber

A gente não precisa ser sempre sincero. Palavras machucam. A gente deve saber o que dizer e como dizer, sempre. Se não souber o que vai dizer - nem como vai dizer - então não diga. Você não precisa sempre dizer o que pensa pra se sentir verdadeiro. Saiba guardar as palavras inúteis, saiba falar. Não é tudo que se pode (e que precisa) ser dito. A ignorância, às vezes, é mais bonita.